terça-feira, 12 de maio de 2009

Os ombros suportam o mundo (Carlos Drummond de Andrade)

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza, já não sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança.As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando bárbaro o espetáculo,prefeririam (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que não adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação.

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